sexta-feira, junho 25, 2010

Ignorância Pastoral não é novidade !

- By J. I. Packer  -
A ignorância dos clérigos nos meados do século XVI pode ser aquilatada através dos registros do pastor Hooper, sobre as condições de sua congregação, no ano de 1551. Aos seus clérigos foram feitas as seguintes perguntas:

1 Quantos são os mandamentos?
2 Onde são encontrados?
3 Repita-os.
4 Quais são os artigos que tratam da fé cristã?
5 Repita-os.
6 Prove-os pelas Escrituras.
7 Recite a oração do Pai Nosso.
8 Como você sabe que ela é a oração do Senhor?
9 Onde ela se encontra?

Dentre os trezentos e onze homens examinados, apenas cinqüenta puderam responder essas perguntas, e dezenove deles mostraram-se "medíocres". Dez não conheciam a oração do Pai Nosso, e oito não conseguiram responder a nenhuma das perguntas.

Coisa alguma sucedeu entre 1551 e 1570 para melhorar essa situação; bem ao contrário, os melhores elementos tanto do lado protestante quanto do lado papista tinham sido varridos. Os únicos protagonistas competentes da religião reformada, na Inglaterra, foram os exilados da perseguição da rainha Maria, dentre os quais, os que não se tornaram pastores ou deões, se estabeleceram nas universidades (Oxford e Cambridge) ou em Londres. Provavelmente, nenhum se dirigiu ao interior. Apesar de toda a diferença que houvera na religião cristã, na Inglaterra, durante vinte anos, a reforma doutrinária da igreja inglesa pode nunca ter acontecido. Nos dias de Eduardo VI e, novamente, nos dias posteriores à rainha Maria, houve um movimento superficial entre largas faixas da comunidade, que as aproximara do protestantismo; mas por volta de 1570, já se tornara claro que isso pouco mais era do que uma violenta reação ao papismo. A doutrina da justificação pela fé era quase desconhecida, as superstições eram generalizadas e profundamente arraigadas, tal como sucedera durante o século anterior. Os ingleses talvez professassem uma religião protestante reformada e talvez freqüentassem obedientemente a igreja aos domingos (era ilegal não fazê-lo), mas a Inglaterra não era convertida. Em fevereiro de 1570, Edward Dering, um célebre e jovem líder Puritano, ao pregar diante da rainha Elisabeth, dirigiu-se claramente a ela sobre essa questão.

"... Primeiramente desejo falar sobre vossos beneficiários. Eis que alguns deles estão corrompidos por apropriações ilícitas, outros por confiscos, outros por pensões, outros já perderam seus bens e utensílios... Considere os vossos patrocinadores. Eis que alguns deles estão vendendo as propriedades, outros as estão transformando em fazendas, alguns as guardam para os seus filhos, outros dão-nas a jovens, outros a militares, e poucos buscam pastores bem preparados... Considerai os vossos ministros, e alguns deles se ocupam nisto, e outros, naquilo; alguns são guarda-costas, outros são rufiões, alguns são mascates e caçadores, outros são jogadores de dados ou de baralho, alguns são guias cegos que nada podem ver, e outros são cães mudos que não ladram...E no entanto, enquanto vão sendo cometidas todas essas corrupções, vós, de cuja mão Deus haverá de requerer, vos sentais quieta e inabalada. Que os homens façam o que lhes pareça melhor. Visto que isso, provavelmente, não afeta o vosso governo, estais tão contente em deixar as coisas como estão..."

O que Dering lamentava não era a falta de repercussão na igreja anglicana do que sucedia em Genebra, e, sim, a estéril situação pastoral e a recusa da rainha Elisabeth em tomar qualquer providência a respeito. "Ela tem por hábito ouvir, com a maior paciência, a discursos amargos e suficientemente cortantes",19 foi o testemunho de Cox sobre ela, em 1571; e não há dúvida que ela não se deixou abalar em sua inatividade pelas denúncias de Dering. A única reação dela ao sermão foi suspendê-lo do direito de pregar.

Não é fácil ver o que Elisabeth poderia ter feito para consertar a situação, mesmo que quisesse fazê-lo; mas a verdade é que ela não se dispunha a agir. Por razões políticas, ela queria que os clérigos fossem homens apagados, sem iniciativa, que se limitassem a manter o status quo. Porém, aqueles que buscavam a conversão dos ingleses e a glória de Deus na igreja da Inglaterra não podiam, conscientemente, quedar-se inertes, conforme ela estava fazendo. Porém, o que era requerido da parte deles na sua busca por reavivamento espiritual? Que deveriam fazer? Qual deveria ser a estratégia deles? A essas indagações, diferentes respostas têm sido dadas.

Alguns, liderados pelos veteranos exilados pela rainha Maria, já estavam em campanha em prol da remoção de quatro costumes do Livro de Oração: a sobrepeliz dos clérigos; a aliança de noivado; o sinal da cruz na testa, por ocasião do ato de batismo; e o ato de ajoelhar-se quando da santa comunhão. A objeção a esses costumes era que, além de não gozarem da sanção escriturística, eles pareciam endossar as superstições medievais que ensinavam que o clero era composto por sacerdotes mediadores, que o casamento era um sacramento, que o batismo incluía um aspecto mágico e que a transubstanciação era verdadeira. Pensava-se que, se esses acréscimos fossem tirados, Deus seria honrado e o cristianismo básico poderia ser muito melhor apreciado.

Então, após a deposição de Thomas Cartwright, professor de teologia de Lady Margaret, em Cambridge, em 1570, por estar ele defendendo idéias presbiterianas em suas preleções sobre o livro de Atos, teve início uma agitação em favor de um presbiterianismo radical na igreja anglicana de Elisabeth, por meio de um decreto parlamentar. Jovens tomaram a iniciativa, e a rigidez teórica e a argumentação arrogante que usualmente aparecem, quando os jovens revolucionários tomam a liderança, passaram a dominar todo o quadro. A obra "Admoestação ao Parlamento", por John Field e Thomas Wilcocks, que ganhou para seus autores um ano de condenação às galés, foi o manifesto desse movimento. Também nesse caso, o pressuposto era que a honra de Deus e a piedade inglesa seriam grandemente fomentadas por meio dessas modificações. Edwin Sandys, arcebispo de Iorque, que tinha sido exilado por ordem da rainha Maria, e sempre fora um valoroso protestante, não via com bons olhos esses agitadores protestantes. "Novos oradores estão surgindo dentre nós", escreveu a Bullinger, em Zurique, em 1573:
jovens tolos que, enquanto desprezam a autoridade, não admitindo superiores, estão buscando a total derrubada e o desarraigamento de toda a nossa estrutura eclesiástica... e esforçam-se por moldar para nós não sei qual nova plataforma eclesiástica... para que fiqueis melhor familiarizados com a questão inteira, aceitai este sumário da questão, reduzido quanto a certos particulares:

1. Os magistrados civis não têm autoridade quanto a questões eclesiásticas. Eles são apenas membros da igreja, e o governo desta deve ser entregue ao clero.2. A igreja de Cristo não admite outro governo senão a do presbitério, a saber, dos ministros, anciãos e diáconos.3. Os títulos e a autoridade dos arcebispos, dos arcediáconos, dos chanceleres, dos comissários, além de outros títulos e dignitários de igual categoria, deveriam ser todos removidos da igreja de Cristo.4. Cada localidade deveria ter seu próprio presbitério.5. A escolha dos ministros necessariamente cabe ao povo.6. Os bens, possessões, terras, proventos, títulos, honrarias, autoridades e todas as outras coisas relativas aos pastores ou às catedrais, que agora lhes pertencem por direito, deveriam ser removidos prontamente e para sempre.7. Ninguém deveria ter permissão de pregar se não fosse pastor de alguma congregação; e esse deveria pregar a seu próprio rebanho, e a ninguém mais...

Sandys opinou que "nada disso contribuirá para o proveito e a paz da igreja, mas para a sua ruína e confusão. Tire-se a autoridade e o povo precipitar-se-á de cabeça em tudo quanto é ruim. Tire-se o patrimônio da igreja, e serão igualmente tiradas não somente a sã erudição mas a própria religião" .

Por certo Sandys tinha razão ao pensar que, na Inglaterra que ele conhecia, quando a maior parte da população se compunha de analfabetos, vítimas da ignorância e da superstição, o programa da reforma presbiteriana, quaisquer que fossem seus motivos e garantias, era dogmático, impraticável e inimigo da causa da piedade. O que a Inglaterra realmente precisava não era do presbiterianismo, e, sim, de cuidados pastorais, o que significava, mais precisamente, de pastores que cuidassem de seus rebanhos. Defensores do presbiterianismo continuaram a surgir intermitentemente durante os vinte anos seguintes, mas nunca criaram uma base sólida de opinião pública quanto a serem os mais indicados na busca da santificação da Inglaterra, antes pelo contrário, e os grosseiros folhetos de Marprelate, de 1588e 1589, finalmente destruíram o crédito moral deles. Difamar os dignitários, conforme aquelas publicações faziam, não servia de fórmula para conquistar almas!

J. I. Packer

Nenhum comentário:

Postar um comentário